S. VICENTE SEM ATRIBUTOS RECONHECÍVEIS?
À esquerda: S. Vicente, iluminura (fl. 34vº) do Livro de Horas de D. Duarte
(Bruges, c. 1401 - 1433), Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, C. F. 140. À
direita: Sto. António, iluminura (fl. 38vº) do mesmo livro. Em baixo: S. Vicente,
Santiago e Sto. Eustáquio, óleo sobre painel de madeira, Antonio e Piero del Pollaiolo
(c. 1466 - 1467), Uffizi, Florença.
As alegações de que S. Vicente figura acompanhado unicamente por um livro como atributo, nos casos
da iluminura do Livro de Horas de D. Duarte e do painel dos três santos da capela do Cardeal
de Portugal, na basílica de San Miniato-al-Monte, parecem-nos pouco relevantes ou inválidas, uma vez que,
no primeiro caso, a singularidade do pouco característico livro emblemático se torna mais aceitável no
contexto de outro livro, e no segundo, um exame mais detalhado mostra que esse isolamento
de facto não se verifica, estando cada um dos três santos acompanhado de dois atributos.
Se, por um lado, é verdade que o livro se encontra entre os (menos característicos) atributos de S.
Vicente, há que salientar, por outro lado, que essa ocorrência, sem outros atributos mais
representativos e reconhecíveis a seu lado, só parece verificar-se no contexto da iluminura do Livro
de Horas. Santo António figura aí igualmente apenas com o seu livro nas mãos, e no próprio acto de
leitura, desacompanhado de outros atributos habituais, como se os livros emblemáticos adquirissem um
relevo especial no contexto do livro material em que se situam, para mais destinado a um rei ele
próprio dado às letras. Significativamente, esses livros são empunhados de forma convencional, não estão
integrados em cenas envolventes de difícil decifração, e muito menos se encontram em companhia de aparentes
atributos inexplicáveis, estranhos aos santos em questão. |
Quanto ao painel da capela fúnebre de D. Jaime, cardeal de Sto. Eustáquio, em San
Miniato-al-Monte (o painel e moldura originais encontram-se hoje nos Uffizi de Florença, mas
estão substituídos na capela por cópias), onde estão representados S. Vicente, Santiago e Sto.
Eustáquio, aludindo respectivamente à origem, nome e título desse filho do infante D. Pedro, é
verdade que, nessa representação italiana, S. Vicente figura com um livro debaixo do braço esquerdo,
mas também com uma pequena folha de palma (símbolo do martírio) na mão direita, à semelhança
de Sto. Eustáquio, igualmente mártir, que segura uma pequena folha de palma similar na mão esquerda.
Todos os três santos se encontram acompanhados de atributos em duplicado: Sto. Eustáquio (lendariamente
um general romano) pela folha de palma numa mão e um cinto de onde pende uma espada, sobre o qual pousa
a outra mão, num posicionamento simétrico ao da folha e livro de S. Vicente; e Santiago
pelo bordão e chapéu de viajante ornado por uma concha frontal (no chão). Embora o tamanho reduzido
da folha de palma emblemática contribua para a tornar pouco conspícua, note-se que o paralelismo com
a outra folha de palma na mão de Sto. Eustáquio, que não possui quaisquer outros atributos que se
possam confundir com o objecto que segura, aponta nessa direcção. Verifica-se de facto uma estilização
dos atributos ao gosto italiano – o luxuoso chapéu, o longo bastão dourado, ambos indiscutíveis
como atributos de Santiago, não são mais susceptíveis de interpretação como adereços realistas de
peregrino do que as folhas de palma miniaturizadas como folhas de palma naturais – mas isso não
cancela a sua presença.
Note-se ainda que o facto de os três santos se encontrarem, desde a origem, duplamente identificados
pelos seus nomes – pelo dístico proeminente que logo à entrada indica que a capela lhes é consagrada e
pelas inscrições na própria moldura dourada por baixo de cada uma das figuras – não dispensa a presença
convencional dos respectivos atributos.
Noutro local voltaremos a abordar a interessante representação dos atributos neste painel.
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